quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Prescrição e decadência (parte 1)

Há um bom tempo que os institutos da prescrição e decadência causam um certo "arrepio" aos acadêmicos de direito. Contudo, esse embaraço não é sem razão, pois o próprio Código Civil de 1916 (artigos 177 e seguintes) os englobava no gênero "prescrição", donde adivinham as espécies "prescrição strico sensu" e "decadência". Muito bem intencionado, o atual Código Civil conceituou, tão-somente, a prescrição como a "extinção da pretensão surgida da violação de um direito" (artigo 189).

 Em vista disso, tentaremos, através de uma breve e simples leitura, sem maiores pretensões, diferençá-los, para, em seguida, trazer à baila o que prescreve o direito positivo.

Ambas se consubstanciam em uma forma de extinção das relaçãoes jurídicas a partir da inércia do agente durante um certo lapso temporal. Para a teoria dos fatos jurídicos, segundo Marcos Bernardes de Mello [1], configura-se como um ato-fato jurídico caducificante, onde: ato (inércia do agente) + fato (tempo). Todavia, incidem em categorias distintas da relação jurídica, a decadência, extinguindo o direito e, por conseguinte, a pretensão e a ação (sentido material); e a prescrição, "encobrindo", tão-só, a pretensão, não recaindo sobre o direito subjetivo em si.

Para esclarecer, perfeita representação gráfica acerca da noção de relação jurídica e direito subjetivo é encontrada no livro do professor Marcos Ehrardt Jr. [2], onde se possibilita enxergar, através de esquemas, a estrutura da relação entre direito-dever, pretensão-obrigação e ação-situação passiva do acionado.

Na esteira das lições práticas de Ehrardt Jr., do direto (nascido através da juridicização de um fato) exsurge a pretensão (possibilidade de exigir de outrem alguma prestação) que é imposta através da ação de direito material. Assim, a ação não prescinde da pretensão que não prescinde do direito, dito de outro modo, havendo a extinção do primeiro, todos os outros sofrerão consequências, pois o primeiro é condição sine qua non dos elementos seguintes.

Assim, a decadência extingue o direito em si, que, obviamente, não pode mais ser exigido (pretensão) nem imposto (ação). Portanto, fulminado o direito, consequentemente, extingue-se o dever. Aquele que, e. g., recebe dívida caduca pela decadência está enriquecendo ilicitamente, cabível, no caso, a repetição do indébito. 

Com a prescrição, o direito se mantém, porém a pretensão se queda encoberta e a ação, por seu turno, se prejudica. Assim, a dívida prescrita, e. g., pode ser voluntariamente adimplida, porque, apesar de a obrigação (contraposta à pretensão) não subsistir, o dever (antônimo de direito) permanece. O Código Civil de 2002 absorveu essa ideia, como se vislumbra da leitura do seu artigo 882, que impossibilita a repetição do que se pagou para solver dívida prescrita. O direito e o dever se sustentam, mas não pode ser nem exigido, nem imposto.


[1] MELLO, Marcos Bernardes de, Teoria do fato jurídico. Plano da existência, 12ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 134.

[2] EHRHARDT JR, Marcos, Direito civil. LICC e parte geral, 1ª ed. Bahia: Jus Poodivm, 2009, p. 462-467.